margem

MARITMO é um disco de mar, o meu quarto álbum, lançado em 1998, e o primeiro que explicita minha paixão pelo mar, como espaço físico e metafísico. Queria um ambiente de mar e de dança, de movimento, de levar e trazer, de ondulação e impermanência, e por isso é que ele chamou-se MARITMO. Uma palavra inventada por mim que reforça que o ritmo do mar é marítimo, trocadilho feito em um ensaio para a gravação e que acabou por batizar o projeto.

Em março de 2008, dez anos depois, veio MARÉ, meu sétimo álbum, que por ter novamente ambiência oceânica, me fez pensar no mar quando ele volta, quando ele é o “mar mais uma vez”, e porque é que volta. O que faz o mar ir e voltar é a maré, e sobre isso pensei muito até constatar que o disco era uma segunda vaga de um projeto maior. Então, no lançamento,  anunciei a trilogia de marinhas.

Este, MARGEM, que está há vinte e um anos de distância do primeiro e onze do segundo, e cuja sequencia ele encerra, começou a ser concebido logo depois do lançamento do MARÉ, o segundo. Por inércia. Pelo fato de ter ouvido, cogitado e cantado tantas canções que acabaram não entrando nem no álbum e nem depois nos shows da turnê de lançamento, canções que não entraram nos projetos mas não saíram de mim, que de alguma maneira foram ficando como possibilidades para o terceiro.  O terceiro confunde-se um pouco com o segundo nesse sentido.

Os oceanos não são mais os de vinte anos atrás e essa tragédia estava há muito anunciada. De MARÉ para cá não lancei mais discos de estúdio, registrei algumas apresentações em DVD, no Rio de Janeiro (Olhos de Onda, 2011)  e em Porto Alegre (Loucura, 2015, só com canções de Lupicínio Rodrigues) que eram projetos de palco e acabaram gravados.

Em 2018 fiz shows em Portugal e no Brasil com um espetáculo criado a partir da minha estadia como docente na Universidade de Coimbra. A Mulher do Pau Brasil  foi um repertório de canções ligadas às ideias da Poesia Pau Brasil, de Oswald de Andrade e de sua turma de enormes artistas e colaboradores, movimento que sempre me influenciou de forma muito profunda, desde a adolescência.

Durante a residência coimbrã assim como muito antes, em Porto Alegre, no ano de 1998, quando estreei um primeiro show chamado A Mulher do Pau Brasil, com o mesmo tipo de inspiração, a ideia foi lidar com a identidade artística e cultural do Brasil a partir dos modernistas. De seus ecos e efeitos no tropicalismo e depois, e na importância para o fim das discussões entre alta e baixa cultura. Era pra ser uma apresentação única em Coimbra, como despedida do semestre de 2017, mas  o show acabou por fazer uma tour portuguesa e outra pelo Brasil. Viajei de abril de 2018 a fevereiro de 2019 com meu repertório antropófago e esse foi um espetáculo que adorei fazer.

Paralelas à turnê  brasileira, fizemos, eu, Bem Gil, Bruno Di Lullo e Rafael Rocha, as sessões de gravação do MARGEM. Experiência incrível, a de estar na estrada com Bem e Bruno, viajando com A Mulher do Pau Brasil, tocando, passando som, acordando, voando, almoçando, jantando juntos e chegando ao Rio e nos socando juntos no estúdio, aí com Rafael Rocha. Estúdio esse que é um tipo de quintal para o Bem Gil, estúdio onde o pai dele, entre outros artistas, gravou coisas lindíssimas.

A minha atitude no estúdio foi mudando ao longo dos anos, eu fui acalmando, aprendendo a ouvir melhor mas minhas primeiras memórias das sessões de gravação são de que aquilo precisa ser muito rápido, definitivo e acabar logo porque tudo é muito caro então vai-se para o estúdio sabendo-se o que se vai fazer, não é lugar para perder tempo pensando. Dessa vez aprendi muito mais ainda com Bem, Bruno e Rafa, que vão ao estúdio para experimentar sons, para microfonar, com toda a calma do mundo, vão ao estúdio fazer o que mais gostam, vão ao estúdio para serem felizes e viram noites tocando por puro prazer. Foram incansáveis e amorosos comigo e isso está impresso no som das faixas, como poderão constatar. Sou muita grata a eles e a todas as pessoas envolvidas na feitura de mais esse trabalho, que encerra em si uma série de ciclos.

MARGEM encerra a trilogia mas não o assunto, que a cada um dos três discos, revelou-se pra mim mais e mais urgente.